Desmistificando o Resseguro

Há algum tempo venho com a intenção de fazer uma série de artigos com o objetivo de tentar explicar de forma mais clara e objetiva o mecanismo de resseguro, e o que é mais complicado, no mercado brasileiro, pois como todos sabemos, temos várias particularidades na legislação do setor em nosso país que afeta diretamente as operações de resseguro.

Recentemente estive com um investidor importante que me pediu para explicar o que era resseguro e como ele poderia alavancar negócios nesta área. Que pergunta difícil! Simplesmente não sei como explicar e despertar o interesse destes investidores de forma rápida e concisa. O antiga definição de que resseguro “é o seguro do seguro”, da velha comparação “com o jogo do bicho”, até funcionam como chave para entender a operação, mas na minha experiência, não desperta estes parceiros para o nosso negócio.

Pois é… apesar dos compromissos, correria atual e viagens, aqui estou na “tentativa” de discorrer sobre os fundamentos desta ciência econômico-financeira (permitam-me chamar assim), com o objetivo descomplicar o resseguro para os investidores, corretores, bancos, seguradoras e outros parceiros com os quais contamos com a paciência de ler estes breves artigos.

Nossa intenção é de intercalar alguns conceitos técnicos com outros mais comerciais e práticos de nossa vivência de algumas décadas nestes mercados, e assim ajudar um pouco na disseminação deste espetacular setor e nicho de negócios.

Bem-vindo ao fantástico mundo do resseguro!

Gostaria de começar esta série com um breve caso real….

…A reunião estava mais tensa do que eu, um jovem iniciante, havia imaginado. Naquele momento, eu que idealizava um mundo corporativo, estava de frente a uma situação real que me faria entender que, há muito mais “entre os céus e a terra do que julga nossa vã filosofia…”

De um lado estava o segurado, representado por um casal, os sócios-proprietários dos equipamentos roubados de uma importante emissora de TV em Buenos Aires. Na cabeceira da mesa o presidente da seguradora, e do outro lado o ressegurador líder do processo, representado pelo meu chefe e por mim – como disse, apenas um iniciante.

Houve um roubo em circunstâncias misteriosas e tínhamos muitas dúvidas. A seguradora fazia um fronting no negócio, ou seja, transferia praticamente todo o risco ao ressegurador, que portanto, era quem efetivamente pagaria sozinho a conta final daquela reunião.

Quando o segurado começou a falar, jamais imaginei uma cena daquela neste mundo supostamente frio de resseguro: Ele gaguejava muito e era impossível disfarçar seu latente nervosismo. Dava pena…

O que teria afinal ocorrido? Porque ele estava tão nervoso? Será que…?

Meu chefe foi muito sábio e, simplesmente, começou a falar de coisas corriqueiras e a contar piadas, o que me deixou positivamente surpreso. A história é longa e não temos tempo aqui para explicar os pormenores, mas o cliente tinha sua vida naqueles equipamentos e seu nervosismo apenas expressava isto (poderia ter sido um
indício inverso – de fraude!).

Não posso dar detalhes aqui, mas concluímos que ele não tinha culpa e, como ressegurador, adotamos a postura mais simples de Boa fé possível no sentido de liquidar (pagar) o sinistro com rapidez, dando ao segurado amplas a eficazes condições de retomar suas filmagens e ao ressegurado (seguradora), a tranquilidade de não ter uma crise em seu caixa e em sua imagem.

Mais tarde houve desdobramentos e recuperamos parte dos equipamentos roubados. O que comprovou a acertada decisão tomada em nossa reunião de confiar e indenizar o cliente! Extraímos deste caso alguns princípios básicos do resseguro e talvez possamos eliminar algumas lendas urbanas:

  • Relação contratual: Não obstante o contrato de resseguro estabelecer uma relação contratual entre seguradora (chamada de cedente do risco), que transfere seu risco para o ressegurador, pode existir sim, na prática, um contato com o segurado final em qualquer estágio da negociação, neste caso representado pela a emissora de TV, que a propósito, se tornaram bons amigos pessoais e que passaram a nos ajudar a evitar roubos futuros com preciosas informações…
  • Boa-fé: Este é um princípio comumente negligenciado em nosso negócio, uma vez que a falta de informação ou documentos sempre pode levar a problemas futuros. Neste caso, o contato pessoal com o segurado foi fundamental para entendermos o cenário e eliminarmos algumas possibilidades de fraude que estavam nos preocupando. Uma ressalva: não estou querendo dizer com isto que aspectos subjetivos ou feeling possam suplantar os objetivos, e que estes últimos devem ser negligenciados em função do primeiro. Ao contrário, recomendamos sempre uma contratação transparente com informação fidedigna, que irá eliminar grandes possíveis percalços futuro. Puxando a sardinha um pouco pro meu lado (rs, rs…), um bom broker de resseguros poderá lhe dar toda a segurança no tratamento das informações de forma a evitar que isto não ocorra.
  • Estabilidade Financeira: para a seguradora, uma eventualidade de não contratar ou não ser ressarcida pelo resseguro por uma eventual falha, pode simplesmente leva-la a falência. (re)seguro não é aposta e as decisões de tomar riscos, quais segmentos e quanto do seu patrimônio investir é um dos pontos mais fundamentais a sobrevivência e crescimento de uma seguradora.
  • Contrato de Indenização: O ressegurador deve indenizar o ressegurado (a seguradora/cedente) pelos sinistros envolvidos no contrato específico. Esta por sua vez indeniza o cliente final (segurado).
  • Observação: é possível a indenização direta ao segurado também em alguns casos específicos como insolvência da seguradora.
  • Capacidade financeira: vemos aqui claramente um dos objetivos do resseguro, que é de dar capacidade a seguradora de assumir riscos que ela não poderia sozinha, bem como de protegê-la contra eventos que possam afetar seu caixa e estabilidade financeira e, em última estância, a continuidade dos seus negócios.
  • Transferência de Know-how: Este ressegurador que trabalhei era um grande especialista nas chamadas indústria de alta tecnologia. Assim, poderíamos agregar fortemente na análise, precificação e regulação de sinistros. Esta é outra função do resseguro

Com isto, encerramos este nosso primeiro artigo e esperamos no ver em Breve.
Até mais e se gostou da um like!

Edísio Nunes
Sócio da BRIB corretora de resseguros